Para que todos vivam, não freqüentarei as suas salas de jantar com o urubu de natal sobre a mesa. Não usarei os talheres, nem seguirei as regras de etiqueta, vou pegar a unha esse urubu! Mostrarei a eles o quanto posso ser selvagem!
Não freqüentarei seus palácios e salões de convivas, não dançarei o miudinho! Não serei polido, envernizado, não serei desinfetado, esterilizado, não negarei jamais o bicho que habita
Não permitirei que nenhuma nave da esquadra louca baixe suas velas, até que a batalha tenha sido ganha. Venceremos os corsários dos reis ou morreremos tentando.
Não aceitarei uma pergunta sem resposta.
Para que todos vivam. Não deixarei nenhuma vontade sem satisfação. Somos aquilo que o desejo quer. Somos tesão. Sangue, suor e esperma! Então não deixarei que me castrem como um cachorro raivoso e sem dono. Quero utopia, orgia, vinho! Baco, dançai por nós! Quero me embriagar! Quero ser apontado nas ruas como o cara que deu vexame no bar. Porque sua alma estava encharcada de um amor aflito que ele perdeu. Quero errar por amor. Não é mais possível desacreditar do erro. O erro é possível e necessário. A vida não é matemática. Viver não é preciso. Não me expliquem a existência. Eu não acredito no átomo, eu acredito na vida. Então, não me digam que a vida tem medidas exatas e olhos azuis. Eu não quero mapas, eu navego pelas estrelas e de acordo com as marés.
Eu sou um sonhador, um tanto medroso, que se refugia nas asas do amor. Mas, o sonho me liberta, o medo me alerta e o amor desperta o que há de melhor
Para que todos vivam é preciso que Deus se despedace em cacos brilhantes, por nosso livre arbítrio. Que eu possa escolher o meu caminho, sem culpa. Não serei prisioneiro de um crime que não cometi! Quero a clareza e a capacidade de entender que a vida é agora.
Para que todos vivam, para que todos comunguem e dividam o palco. A vida não pode ser um monólogo. Acho que por isso que eu nunca quis escrever um monólogo. Não é justo! É desumano depositar todo o peso do mundo sobre os ombros de um só homem.
Não posso conduzir o rebanho. Na maioria das vezes, eu nem lembro o endereço de casa. Eu não sei para onde devo ir.
Que faço eu? Desposo Maria Madalena, tenho um monte de filhos e me mantenho a prole sendo mais um dos vendilhões dos templos, ou me deixo crucificar? O que pode fazer um homem contra os exércitos, se ele luta só? Não me deixem! Não me abandone, pai.
Vocês têm que participar e construir junto comigo o final desse espetáculo. Façamos um coral e com as nossas vozes juntas, daremos o grito que falta para levantar os mortos. Para contagiar os vivos, para inspirar os deuses e sufocar de vez toda essa dor sem nome. Gritemos em comum nessa vida torta e bela! Vamos, todos, comigo! Gritemos em comum pela transcendência do amor na Polinésia!