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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Para que todos vivam!

Para que todos vivam! 
Para que todos vivam, não freqüentarei as suas salas de jantar com o urubu de natal sobre a mesa. Não usarei os talheres, nem seguirei as regras de etiqueta, vou pegar a unha esse urubu! Mostrarei a eles o quanto posso ser selvagem! 
Não freqüentarei seus palácios e salões de convivas, não dançarei o miudinho! Não serei polido, envernizado, não serei desinfetado, esterilizado, não negarei jamais o bicho que habita em mim. Farei ouvidos mocos aos seus discursos afinados de uma nota só, sem nenhuma dissonância. Mas também não me calarei perante eles, darei três ou quatro arrotos bem fortes, exalando o cheiro podre do que não comi. Não colocarei mais nenhum tijolo em suas construções que tentam atingir o céu. Não serei comparsa, aliado, cúmplice, lacaio do bem constituído, do estabelecido, do contratado, acertado pelo relógio da hora certa. Não me porei de quatro para os comunistas, nazistas, alarmistas, oportunistas, chauvinistas, parlamentaristas, terroristas, maniqueístas e todos os “istas” de origem má. Não deixarei que as velhas putas capitalistas dancem ao redor da minha cabeça degolada. Eu sou trem sem freio, sou desgovernado! 
Não permitirei que nenhuma nave da esquadra louca baixe suas velas, até que a batalha tenha sido ganha. Venceremos os corsários dos reis ou morreremos tentando. 
Não aceitarei uma pergunta sem resposta. 
Para que todos vivam. Não deixarei nenhuma vontade sem satisfação. Somos aquilo que o desejo quer. Somos tesão. Sangue, suor e esperma! Então não deixarei que me castrem como um cachorro raivoso e sem dono. Quero utopia, orgia, vinho! Baco, dançai por nós! Quero me embriagar! Quero ser apontado nas ruas como o cara que deu vexame no bar. Porque sua alma estava encharcada de um amor aflito que ele perdeu. Quero errar por amor. Não é mais possível desacreditar do erro. O erro é possível e necessário. A vida não é matemática. Viver não é preciso. Não me expliquem a existência. Eu não acredito no átomo, eu acredito na vida. Então, não me digam que a vida tem medidas exatas e olhos azuis. Eu não quero mapas, eu navego pelas estrelas e de acordo com as marés. 
Eu sou um sonhador, um tanto medroso, que se refugia nas asas do amor. Mas, o sonho me liberta, o medo me alerta e o amor desperta o que há de melhor em mim. Só assim eu permaneço vivo. 
Para que todos vivam é preciso que Deus se despedace em cacos brilhantes, por nosso livre arbítrio. Que eu possa escolher o meu caminho, sem culpa. Não serei prisioneiro de um crime que não cometi! Quero a clareza e a capacidade de entender que a vida é agora. 
Para que todos vivam, para que todos comunguem e dividam o palco. A vida não pode ser um monólogo. Acho que por isso que eu nunca quis escrever um monólogo. Não é justo! É desumano depositar todo o peso do mundo sobre os ombros de um só homem. 
Não posso conduzir o rebanho. Na maioria das vezes, eu nem lembro o endereço de casa. Eu não sei para onde devo ir.
Que faço eu? Desposo Maria Madalena, tenho um monte de filhos e me mantenho a prole sendo mais um dos vendilhões dos templos, ou me deixo crucificar? O que pode fazer um homem contra os exércitos, se ele luta só? Não me deixem! Não me abandone, pai. 
Vocês têm que participar e construir junto comigo o final desse espetáculo. Façamos um coral e com as nossas vozes juntas, daremos o grito que falta para levantar os mortos. Para contagiar os vivos, para inspirar os deuses e sufocar de vez toda essa dor sem nome. Gritemos em comum nessa vida torta e bela! Vamos, todos, comigo! Gritemos em comum pela transcendência do amor na Polinésia! 

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

trecho da peça "Catalepsia" - encenada nas obras do teatro municipal em 2005

Decreto N.05:
 “Fica terminantemente proibido por ordem do senhor alcaide municipal que se faça anúncio de noticias, idéias, filmes, novelas, canções, coreografia, fofoca, diz que diz, enfim; toda e qualquer propaganda que faça alusão ou tragam em seu bojo o negativismo. 
Apêndice ao Decreto Nº 05; este decreto afiança que tudo está na maior normalidade. Garante que o mundo não vai acabar numa explosão de sal. Afirma convicto que as nossas mulheres ainda nos amam e continuarão fieis! A saúde financeira da cidade é excelente! Temos saldo, temos crédito! As ruas estão limpas! O ar está puro, a vegetação verde e os rios azuis. Todo funcionário tem o seu crachá de identificação e não bastasse isso, ainda tem um uniforme cinza. Temos um carimbo reservado para cada coisa e intricados procedimentos para cada solicitação. A vida permanecerá burocrática e segura. Para os idôneos fica apalavrado e documentado em três vias, com firma reconhecida em cartório, que sempre haverá feira e Missa no sábado, bem como, a trepadinha de toda sexta, fim de mês. Estamos todos saudáveis e felizes! Nossas consciências estão alvas como noivas em maio. E estamos todos salvos perante Deus, desde que cada um faça o seu dever. Este decreto, também acaba com a pobreza e a miséria. E para quem não cumprir a presente lei, resta a cadeia, tortura, julgamento e provável fuzilamento em local incerto, e após sua morte, o governo se reserva o direito de confiscar os bens do rebelde infeliz e cobrar da família o custo da bala atirada.
 Cumpra-se. 

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

a vida é abrir caixas

Citação de Jeremias Burke na novela inacabada CUDEMUNDO
 “A vida é abrir caixas. É administrar o que se encontra dentro das caixas que abrimos. Todos os dias uma caixa nos é oferecida e se tivermos ânimo bastante, nos as abrimos e a vida continua. Porque dentro dessas caixas podemos encontrar uma nova estrada, a enciclopédia britânica, homem na lua, o mundo em chamas, uma procissão de monges, o AI-5, uma vertigem, o primeiro beijo, uma rosa vermelha, um coração despedaçado, a nova canção dos Beatles, um coelho de relógio, um contrato com o Diabo, um dia cinza no escritório, um doce de batata doce, um pedido de desculpas, um punhal fino gritando vingança, uma nova peste, um homem bomba, alguém que nos desnude, alguém que nos ampare, alguém para carregar no colo, bolinho de chuva, noites de inverno, dias de sol, novas perguntas, poucas respostas, um bilhete de adeus e a ultima caixa com todas as outras dentro. Hoje é o último dia da história da minha vida. E deixarei de lidar com conteúdos e passarei a ser eu o conteúdo de uma caixa mortuária”

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

os homens amarelos


Ele tentou fazer parte da turma dos homens de cor amarela e se parecer com eles. Freqüentar os mesmos clubes, comer da mesma comida, beber da mesma água. Caçou do modo como eles caçavam. Tentou até se relacionar com as mulheres de cor amarela. Resumindo tudo, o que ele intentou foi ver o mundo da forma como os homens de cor amarela enxergam. Ele tentou entendê-los.
Estranhou que a “turma” dos homens amarelos não era unida. Preocupou-lhe o modo de cada um, olhar para um lado diferente dos demais. E desconfiou ao ver que nunca se davam as costas.
A comida era porca e a bebida insalubre. Para eles, o mundo era somente uma oportunidade comercial. Caçavam cabeças que depois encolhiam e definiam a importância social de um homem pelo número de cabeças que possuía.
            Os homens amarelos são os que comandam, estabelecem as regras – independente de o jogo já ter se iniciado, distribuem oportunidades e punições. São os reis do mundo! Outro homem que fosse prudente tentaria ficar ao lado dos homens amarelos. Ele foi além, tentou se passar por um deles. Mas, a tinta aguada o traiu. Sua verdadeira cor foi exposta. Descoberto – acusado pré julgado e morto.
Acontece que os homens amarelos temem que seus aposentos sejam invadidos por homens de cor diferente. Pregam a todos os aliados que homens de cor diferente da amarela são perversos, desumanos, pérfidos, ladrões... A prova disso é que estes anormais carregam um sangue diferente dos demais, de cor violeta.
Nesse dia de exemplo admirável, aproveitaram o corpo do invasor para demonstrar o perigo de homens que tinham o líquido sanguíneo de cor violeta.
Abriram o infeliz e jorrou o sangue... Vermelho como o de todos nós!